segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Pela educação, sociedade deve deixar de ser tolerante e cobrar resultados


Sociedade







#COMENTÁRIO

Poder-se-ia chamar de um estudo aprofundado sobre a matéria, mas trata-se de um documento criado por Simon Schwartzman, ex-diretor do IBGE. Deveria esta matéria se tornar um manual de processo para os envolvidos no ensino brasileiro em níveis superiores.
Mais que os números citados nos dizem, o documento representa os anseios de muitos brasileiros que ainda se preocupam com educação no Brasil e suas consequências. É muito fácil pensar e projetar qual futuro nos espera com base nos recém-formados e suas indescritíveis ignorâncias.
Outro fator abordado na matéria e de grande relevância, trata-se do grau de instrução e conhecimento dos próprios professores. Não se pode generalizar, mas podemos afirmar com toda certeza que a grande maioria dos professores de base, escondem-se em desculpas de dificuldades, de má remuneração, de não reconhecimento, de transferência de responsabilidades dos pais. Essas reivindicações e reclamos, não podem ser ignorados e realmente deveriam ser atendidos pelos governos estaduais e municipais, porém há que somar a eles o desânimo e falta de vontade de se vestir a camisa do professor, como faziam os antigos professores, nossos mestres, que ainda permanecem em nossa memória.
Aos que já estão na casa dos sessenta anos de idade podem entender a que estamos nos referindo. As dificuldades poderiam ser até maiores, a remuneração poderia ser até menor, mas havia respeito, muita força de vontade de professores e alunos. As dificuldades eram ultrapassadas a todo custo, não parava para lastimar como hoje se faz, não havia tempo para se envolver em sindicatos e pensar em greves reivindicatórias; os professores se comprometiam com sua profissão, que tinham muito orgulho de pertencer, com seus alunos, que queriam vê-los cada vez mais cultos e preparados para a vida.
Isso é que mais falta ao ensino do Brasil, professor.

#Disse

Carlos Leonardo



#CONVITE

Não acha que acima de tudo o que falta é professor não simplesmente tias?

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SIMON SCHWARTZMAN - ESPECIAL PARA A FOLHA - 07/12/2014

34% dos brasileiros, segundo pesquisa do Ibope de 2010, consideravam a educação pública brasileira ótima ou boa, e 44%, regular; 21% achavam que era péssima.
Enquanto isso, os dados do Pisa, a pesquisa internacional da OCDE sobre a qualidade da educação, mostravam que, dos 47% dos jovens de 15 anos que conseguiam chegar ao fim da escola fundamental ou início da média, 67% não tinham os conhecimentos mínimos de matemática esperados para a série, 18,8% não tinham a capacidade mínima de leitura e 54% não dominavam os conceitos básicos de ciência. Ficaram para trás ou desistiram de estudar 53%.
Aos 18 anos, em 2012, somente 27% dos jovens haviam conseguido chegar ao final do ensino médio ou haviam entrado no ensino superior, e metade já havia deixado de estudar. Quem olha os dados vê a tragédia em curso, mas a maioria da população, talvez por ter conhecido dias piores, não enxerga o problema. As crianças começam a desenvolver vocabulário e capacidade de lidar com números muito cedo e, se o ambiente familiar não favorecer, podem ficar prejudicadas por toda a vida.

TRAJETÓRIA
Uma boa pré-escola pode ajudar, se não for só um depósito de crianças para as mães que trabalham. Aos 6-7 anos, todas as crianças deveriam estar lendo fluentemente, se os professores usassem os métodos adequados de alfabetização. Mas os professores não sabem, ou são contra esses métodos, e muitos estudantes permanecem para sempre analfabetos funcionais. Nos primeiros cinco anos da escola fundamental, os estudantes dependem de um único professor, que deveria enriquecer o vocabulário e a capacidade de leitura das crianças, familiarizá-las com os números e introduzir os conceitos iniciais das ciências naturais, história e geografia. Professores e professoras, como pessoas, são modelos de adultos que as crianças vão rejeitar ou emular.
Mas muitas vezes eles não dominam os conteúdos, não passaram por um bom curso para aprender as melhores práticas de ensino e não conseguem estabelecer com os alunos a relação emocional e de trabalho sem a qual a educação não ocorre. A partir da 6ª série essa pessoa de referência desaparece, sendo substituída por diferentes professores de português, matemática, história, ciências, com suas qualidades e defeitos, nem sempre bem formados. Com 11 anos, resta ao aluno achar o seu caminho nesse emaranhado. Se ele chegou bem até aí, e se a família puder ajudar, consegue ir adiante, estudando mais algumas matérias do que outras, quem sabe se interessando por algumas, e decorando o que precisa para passar de ano. Aos 16-17 começa a treinar para o Enem, cujos resultados são conhecidos de antemão: os alunos de boas escolas privadas ou das poucas públicas seletivas, que vêm de famílias mais educadas, conseguem boas notas e uma das 200 mil vagas em universidades públicas. Aos demais - cerca de 8 milhões - cabe quem sabe a chance de voltar para o ensino médio, para um curso do Pronatec ou se matricular em uma faculdade particular paga e de qualidade desconhecida. A grande maioria, no entanto, não chega lá: não entende bem o que está fazendo na escola, não consegue acompanhar os cursos e, quando chega aos 14 ou 15 anos, desiste de estudar.

PAPEL DA ESCOLA
As escolas não podem, sozinhas, corrigir as desigualdades socioeconômicas, nem as grandes diferenças de interesse, motivação e talento que existem em todos os níveis sociais, mas ajudam muito se funcionarem como devem. Anos de pesquisa no Brasil e no mundo já permitem saber o que faz uma boa escola e um bom sistema de ensino.
Não existe bala de prata, mas várias coisas que precisam ser feitas ao mesmo tempo. A escola precisa ser uma comunidade comprometida com seus fins e, para isso, precisa de um diretor que entenda sua missão, seja capaz de liderar os professores, se relacionar bem com a comunidade e mostrar resultados. Os professores precisam conhecer bem o que devem ensinar, dominar as técnicas e procedimentos pedagógicos adequados a cada nível de ensino, gostar e estar comprometidos com os resultados de seu trabalho. Os alunos precisam encontrar na escola um ambiente estimulante, ter a possibilidade de um atendimento individualizado, na medida de suas necessidades, e o tempo de permanência das crianças na escola deve ser mais longo: ao menos seis horas diárias.
Se, nos anos iniciais, todos os estudantes precisam passar pelo mesmo tipo de educação, a partir do ensino médio é preciso entender que eles são diferentes e organizar o sistema educativo para lidar com essas diferenças.

CURRÍCULO ABSURDO
O currículo do ensino médio brasileiro, com 15 ou mais disciplinas obrigatórias, é claramente um absurdo, mas a solução não é fazer um currículo mais "enxuto" ou "interdisciplinar", e, sim, abrir a possibilidade de escolhas e modernizar os conteúdos. Algumas competências mais gerais, como as de escrita e leitura, o raciocínio matemático e o inglês, precisam ser reforçadas para todos, ainda que adaptadas aos diversos perfis de formação.
Para os que pretendem se candidatar à universidade, deve ser possível se aprofundar em temas nas áreas de interesse principal - química, eletrônica, computação, biologia, meio ambiente, estatística, direito, economia. Para a grande maioria, que não tem condições ou não quer cursos universitários tradicionais, deve haver cursos técnicos de qualidade, em áreas como serviços de saúde, processamento de dados, mecânica, eletrônica e outros, que garantam uma certificação reconhecida pelo mercado de trabalho e ao mesmo tempo um título de nível médio que permita continuar os estudos depois em cursos superiores ou tecnológicos avançados. O ensino técnico e profissional só pode dar certo se contar com a participação ativa do setor empresarial, ajudando a formular os currículos, oferecendo equipamentos para as escolas, participando dos sistemas de certificação profissional e oferecendo oportunidades de aprendizagem prática supervisionada, que é muito diferente do uso de estagiários como mão de obra barata.
O Enem precisa ser substituído por certificações e avaliações específicas dos diferentes tipos de formação.
A questão é como passar da situação atual para a desejável. Para isso, é preciso recursos, mas, sobretudo, vencer as barreiras mentais e os interesses corporativos que impedem que as melhores soluções sejam buscadas, e, principalmente, que a população deixe de ser tolerante com a péssima qualidade da educação e comece a exigir resultados.

SIMON SCHWARTZMAN
Doutor em ciências políticas pela Universidade da Califórnia - Berkeley, é presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 


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