Educação é chave para melhorar produtividade, acredita Pastore
#COMENTÁRIO
Uma importante entrevista essa concedida por José Pastore à BBC Brasil, nela ele
retrata muito bem a situação do Brasil em relação à importância da qualificação do trabalhador.
Exemplifica muito bem a relação produtividade
e qualificação profissional e como essa relação é vista sob o ponto de vista do
empresariado e os dos empregados brasileiros. Pastore aborda ainda o resultado
do desse desencontro e seus reflexos no desempenho
econômico do Brasil. Leva-nos a repensar sobre os modelos
educacionais brasileiros que são desencontrados e sem objetivos práticos. Onde
se prima por ensinar a decorar e não
a pensar. Onde os professores se encontram em sua grande maioria sem incentivos
e quase sempre despreparados. Analisa ainda a participação do governo
nessa educação sucateada e
desalinhada em relação às reais necessidades do mercado industrial brasileiro.
Pastore lecionou na USP e foi chefe da
assessoria técnica do Ministério do Trabalho
#Disse
Carlos Leonardo
Fonte: BBC
Brasil
#CONVITE
Não perca a oportunidade de ler essa
entrevista, listada em sua íntegra logo abaixo.
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Ao longo
de mais de quatro décadas de produção ininterrupta, o sociólogo José Pastore
firmou-se como um dos maiores nomes das relações de trabalho, emprego e
recursos humanos no Brasil.
Pastore lecionou na Faculdade de Economia da USP,
foi chefe da assessoria técnica do Ministério do Trabalho e fez parte do
Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente
é presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e
escreve como articulista para o jornal O Estado de São Paulo.
Na entrevista a seguir, Pastore discorre sobre a
baixa produtividade brasileira e possíveis soluções para o problema, um dos
maiores gargalos da economia do país.
BBC Brasil: Qual é a relação entre produtividade e
economia?
José Pastore: A relação entre
produtividade e economia é direta e indireta. O impacto direto acontece quando
um trabalho mal feito por causa da baixa qualificação resulta em um produto de
má qualidade, que, por sua vez, perde preço no mercado ou até mesmo seu próprio
mercado. Já o efeito indireto ocorre quando, por exemplo, a produtividade cai e
o salário cresce. Isso cria um dilema para a empresa. Ou ela passa esse
diferencial para os preços ou tira do lucro. Nos dois casos, há prejuízo para a
economia. No primeiro caso, porque gera inflação e no segundo porque reduz as
taxas de investimento.
BBC Brasil: Por que a produtividade do trabalhador
brasileiro ainda é tão baixa?
José Pastore: Há vários fatores que
interferem na produtividade dos trabalhadores, como tecnologia, gestão e
ambiente de trabalho. Mas a qualificação do trabalhador é, sem dúvida, um dos
mais importantes. Essa qualificação é sustentada pela educação. A qualidade do
ensino brasileiro ainda é muito precária quando comparada à dos países mais
avançados. Aliado a problemas de tecnologia e gestão de empresas, o resultado
final é um baixíssimo nível de produtividade e eficiência do nosso trabalhador,
em média.
BBC Brasil: A baixa produtividade explica o mau
desempenho da economia brasileira nos últimos meses?
José Pastore: A desaceleração é produto
de uma série de distorções que temos na nossa economia. Temos um problema
tributário muito sério, uma infraestrutura muito frágil, um sistema regulatório
muito inseguro e um cipoal trabalhista que complica bastante a contratação do
trabalho. Tudo isso interfere negativamente naquilo que é o resultado final de
um ano de trabalho em uma economia. Mas a produtividade também pesa.
BBC Brasil: O incentivo à formação técnica seria um
dos meios para aumentar a nossa produtividade?
José Pastore: Sim, mas não acredito que a
solução esteja unicamente na formação técnica. A formação técnica só vai ter
sucesso se a formação básica for de melhor qualidade. Não basta escola que
venha adestrar porque não basta ser adestrado. É preciso ser bem educado. Em
última análise, o que nós precisamos na educação básica é de uma escola que
seja capaz de ensinar às crianças não a passar no exame, mas a pensar. A
criança que sabe pensar é um excelente aluno para a educação técnica. Aquele
que não sabe, vai dar muito trabalho.
BBC Brasil: O Pronatec é um dos maiores trunfos do
atual governo. Qual é a sua avaliação sobre o programa?
José Pastore: É um excelente programa;
está muito bem estruturado. As metas são ousadas. Mas precisamos esperar um
pouco mais para avaliar se a mecânica atual está gerando o resultado esperado.
BBC Brasil: A chave para melhorar a nossa
produtividade seria, então, investir maciçamente na educação?
José Pastore: Eu diria que a chave é
investir maciçamente em boa educação. Tanto básica quanto secundária. É isso
que faz a diferença. Hoje em dia, não se conta mais a eficiência econômica de
um indivíduo pelo número de anos que ela passou na escola. O que conta mesmo é
o que ela aprendeu durante o período escolar. Hoje, o mercado não busca o
diploma, o currículo ou uma escola renomada, mas pessoas que saibam pensar
adequadamente, que tenham bons textos e lógica de raciocínio, que sejam capazes
de transformar informações em conhecimento prático, que saibam trabalhar em
grupo, que conheçam bem a sua profissão. Tudo isso depende de uma educação
básica e secundária de boa qualidade.
BBC Brasil: Mas as escolas não parecem adaptadas a
essa realidade. Como reverter esse cenário?
José Pastore: Esse é o maior desafio do
ensino moderno: acompanhar as mudanças tecnológicas e as mudanças no sistema
produtivo. Mesmo os países avançados estão sendo desafiados em seus sistemas
educacionais. Um estudo recente de dois pesquisadores ingleses mostrou que nos
próximos oito a dez anos, quase 50% dos profissionais dos Estados Unidos
perderão seus empregos por obsolescência, ou seja, serão atropelados por novas
tecnologias. Essa questão é muito importante para nós porque o Brasil está no
meio desse processo de transformação tecnológica. Do lado da escola, o que se
busca hoje é um método de ensino diferente daquele convencional. Há que se
buscar um método que seja realmente interessante à criança e ao adolescente,
que utilize o mundo digital dos jovens.
BBC Brasil: Qual seria o papel do governo nesse
processo?
José Pastore: O governo deveria valorizar
mais a carreira do professor e do diretor de escola. Isso é fundamental. Sem um
professor atualizado, que conheça a mente das crianças e dos adolescentes, que
conheça as tecnologias educacionais que dão certo, não haverá solução de curto
prazo. O Brasil tem um problema muito grave nessa área. Apenas 2% daqueles que
se formam no Ensino Médio optam pela carreira do magistério. Isso é um
desastre. E quando se analisa quem são esses indivíduos, chegamos a uma
conclusão ainda mais triste. São aqueles que tiveram as piores notas no Ensino
Médio. Acredito que o governo - junto com a mídia, escolas e empresas - deveria
fazer uma campanha muito sólida e de longa duração para valorizar o professor e
o diretor. É claro que, em paralelo, seria preciso também tomar medidas
concretas de remuneração, de gratificação por mérito, de treinamentos, de
atualização tecnológica e pedagógica. Trata-se de um programa tão importante
quanto qualquer outro para acelerar o nosso PIB.
BBC Brasil: Mas a educação foi sucateada no Brasil
durante anos. Ainda é possível correr atrás do tempo perdido?
José Pastore: Esse dilema não existe. Não
existe alternativa senão correr atrás do tempo perdido. Até porque nossos
concorrentes não vão ficar esperando o Brasil desenvolver para depois vender
seus produtos e seus serviços. A História mostra que alguns países conseguiram
fazer isso. Quando terminou a 2ª Guerra Mundial, a Coreia do Sul tinha 80% da
população analfabeta. O país estipulou uma meta: em 30 anos, todos deveriam
ter, no mínimo, dez anos de escolaridade. E como essa meta foi alcançada? O
governo deu início a uma grande 'cruzada' na sociedade. Foi feita uma divisão
do trabalho. Ficou para o governo pagar os professores e atualizá-los constantemente.
E coube à iniciativa privada construir laboratórios e atualizá-los
constantemente. Depois de 30 anos, todos tinham não só dez anos de
escolaridade, mas 12. Hoje, a Coreia do Sul é um país desenvolvido.
BBC Brasil: A solução para a educação brasileira
seria então uma parceria entre o setor público e a iniciativa privada?
José Pastore: Acho que é mais do que
isso. É uma parceria entre todos os entes da sociedade brasileira. Todo mundo
tem de participar dessa cruzada. Trata-se de uma cruzada de várias dimensões. É
preciso haver uma mobilização das famílias em favor de educar aqueles que não
são educados, não apenas seus filhos, mas sua empregada doméstica e o
funcionário de sua empresa.
BBC Brasil: Mas essa proposta não é utópica demais?
José Pastore: Não. A sociedade brasileira
responde bem quando é adequadamente mobilizada. No ano 2001, tivemos uma grave
crise de energia elétrica. O governo liderou uma cruzada de mobilização de
todas as famílias brasileiras e as pessoas mudaram o comportamento, fizeram uma
economia decisiva para o sucesso do programa. E depois que foi suspenso o
racionamento, o comportamento econômico continuou por muito tempo. Pena que
essa cruzada foi interrompida. A sociedade brasileira responde bem quando é
mobilizada. Tenho muita fé nisso.
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